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Pra Cidadania, quanto pesa ter uma Certidão de Nascimento?

Por Anderson Barbosa.


“Como um adulto vive sem documentos numa sociedade documentada? Como se vê sem documentos? Que papel atribui o registro de nascimento?”. Os questionamentos da jornalista/escritora Fernanda da Escóssia, no livro ‘Invisíveis – Uma etnografia sobre brasileiros sem documentos’, podem ser respondidos por dois cidadãos brasileiros: Expedito Pedro da Silva, 73 anos; e Marques Vinícius Santana Maia, 45 anos.


Seu Expedito é alagoano de Anadia e Marques sergipano de Aracaju. Eles estão entre os 70 acolhidos em situação de rua no Abrigo Municipal Freitas Brandão, em Aracaju, e viveram as tormentas de ficar meses sem a Carteira de Identidade Nacional (R.G.) e sem o primeiro de todos os documentos: a Certidão de Nascimento.


O alagoano, há quatro meses em situação de rua, ficou sem os papéis oficiais após uma queda, na capital de Sergipe.

“Quando eu caí, a bolsa caiu de um lado. Me levaram para o hospital e eu não vi mais nada. Quando acordei já era bolsa, documentos”, conta Expedito, que ficou internado por, segundo ele, meses no hospital, praticamente como indigente. 

Marques tem mais experiência nas ruas, 2 anos, e também foi vítima de furto enquanto dormia nas calçadas da Região Oeste da cidade de pouco mais de 600 mil habitantes, cerca de mil em situação de rua.

“Achei uma covardia, porque estava dormindo e levaram. Quando acordei já estava sem nada. O documento é seu, só serve para você. Uma maldade desse cidadão. Isso foi no Bairro América, bem perto do Batalhão da Polícia”, lamenta.

No caso de Marques, esta não foi a única violência vivida nas ruas. Ele já foi ignorado, xingado e até visto com um olhar de desprezo, medo e reprovação pelo estilo de vida nas ruas.

“São várias violências contra a população em situação de rua. Não é por acaso que você vê muitas pessoas em grupo juntas na rua. Um protege o outro e é mais difícil alguém fazer o mal contra você”, explica.

Essas histórias foram relatadas na segunda edição da Semana Nacional de Registro Civil: ‘Registre-se! Sua história tem nome e sobrenome’. realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça, realizada entre 13 e 17 de maio. Eles foram os primeiros a usufruírem do serviço que até o meio-dia desta quinta-feira (16), tinha 268 atendimentos em serviços para segunda via da Certidão de Nascimento e Carteira Nacional de Identidade, além de serviços de junto ao INSS, Receita Federal e CadÚnico.


“Em uma situação vulnerável você não tem uma renda. Quando consegue fazer algum bico, conseguir algum dinheirinho, você pensa primeiro em se alimentar ou comprar até uma roupa para poder andar mais arrumadinho. E quando você não tem o dinheiro pra tirar essa documentação. Vem um projeto desse e ajuda muita gente”, relatou Marques, orgulhoso de ter conquistado mais um documento.


Gueribaldo Ferreira Guedes, um companheiro deles, também estava por lá. Desta vez deu entrada na Certidão com facilidade. Situação diferente de quando buscou um Cartório na Bahia, quando ouviu muitas desculpas. “É a demora, o volte outro dia. Esse ‘volta outro dia’ acaba com qualquer um. Volte outro dia, a semana que vem, tente outra vez... E a gente não consegue fazer nada”, lamentou.


Guedes só não estava contente por completo, porque ainda aguarda a Carteira de Identidade Nacional solicitada há cerca de dois meses, na sede do Instituto de Identificação de Sergipe, sem data de entrega. “Fui tirar a identidade com a declaração do Freitas. Cheguei lá na segunda e me passaram para quinta, depois na outra segunda. Nesse jogo passei quase 2 meses para conseguir fazer uma identidade. Agora já vai fazer 2 meses que estou tentando pegar o documento e não tá pronto. Aqui seria bem mais fácil”, revelou.


No primeiro dia da ação não tinha ninguém mais emocionado que seu Expedito à espera da nova Certidão de Nascimento. No caso dele, dependia da agilidade do Cartório em Anadia, Alagoas. O qual deveria repassar as informações para a equipe de Sergipe, a mesma que horas depois repassou o documento que trouxe visibilidade, ao menos aos órgãos federativos. As lágrimas que despencavam do rosto cheio dele não eram de tristeza, mas de alegria por saber a importância de ter outra vez um documento, olhar pra ele e se reconhecer nas informações. Isso é Cidadania, é devolução da Dignidade.

“Agora vou fazer o meu título, identidade, carteira de trabalho e o que tiver precisando. Certidão de Nascimento, que é o principal. Um homem sem documento é ruim. Receber a minha bolsa família, a aposentadoria é o que interessa pra gente”, expressou os novos planos.

Não foi a mesma satisfação que teve seu José Carlos de Oliveira. Uma semana antes de ser encontrado sem vida, em uma parada de ônibus do município de Nossa Senhora do Socorro (SE), percorreu mais de 300km a pé na tentativa de provar para a Previdência Social que era ele mesmo. Morreu sem realizar o desejo, sem documentos, sem lenços, sem dignidade. Há cerca de 9 meses o corpo permanece no IML de Sergipe, porque o Estado Brasileiro não tem registro dele. Zé, só teve o apoio incondicional da cadelinha que protegeu o amigo até o fim.


O que seu Expedito, Marques e Guedes vivenciaram foi a possibilidade de acesso à cidadania. Como disse Escóssia: “A busca pelo registro de nascimento, com os direitos que ele garante, é parte de um processo maior de construção da própria identidade”.

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