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Da busca por comida na lixeira à empresário e chefe de cozinha

Atualizado: 31 de mai.

Jailson Rezende viveu nas ruas por três anos e hoje tem o próprio negócio formalizado, na capital de Sergipe. Ele é um dos cerca de 15 milhões de microempreendedores individuais do Brasil.


Por Anderson Barbosa.

Jailson Rezende, chefe de cozinha


Bairro Santa Maria, Zona Sul de Aracaju. Uma das regiões mais pobres da capital sergipana é o local onde foi instalada a ‘Quentinha do Chef’ - empresa de marmitaria criada pelo chefe de cozinha Jailson Rezende. Um ex-morador em situação de rua que superou a fome, o vício das drogas e agora administra o próprio negócio impactando outras vidas na comunidade.


“Era carpinteiro de profissão, mas não tinha mais emprego, nem vontade de trabalhar. Isso me levou a morar na rua, longe da família, de tudo e de todos. Por longos 15 anos fui usuário de drogas (crack). Foram três anos nas ruas e com fome cheguei a tirar comida do lixo para me alimentar. Era invisível para o governo, para a sociedade. Cheguei ao fundo do poço e hoje tenho o meu próprio negócio.”, relembra.



Na época, Jailson morava com a família na Barra dos Coqueiros, na Grande Aracaju, mas ficava parte da semana nas ruas. Em janeiro de 2013, o pai dele o levou a força para casa. Depois de um longo processo de recuperação, no dia 19 de agosto, data na qual é celebrado o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, recebeu um convite para ir à igreja e lá se converteu.


“Aceitei Jesus e quando saí do mundo das drogas, abandone as amizades. Já fortalecido, consegui um emprego em uma construtora e um dia, a caminho do trabalho, conheci minha esposa no terminal de ônibus. Um encontro fundamental neste processo. Já são 10 anos de união”, fala emocionado.

Com a estabilização emocional e financeira, decidiu inscrever-se em um curso profissionalizante de cozinheiro e dez meses depois virou chefe de cozinha. Porém, os primeiros passos no empreendedorismo, só ocorreu após seis anos desempregado. “Em fevereiro de 2020, minha esposa e eu começaram a preparar marmitas na cozinha de casa e vendíamos na feira livre, do bairro vizinho ao nosso. A gente morava numa rua que não tinha visibilidade nenhuma. A gente só tinha aquela renda aos domingos e ia à luta”, lembrou.


As dificuldades foram vencidas pouco a pouco, conquistando clientela e fortalecendo a célula do sonho de ter o próprio negócio. Durante a pandemia da Covid-19, com o fechamento do comércio, precisaram adaptar as vendas ao formato delivery, entregando os pedidos com a motocicleta deles. A estratégia deu tão certo, que precisaram transferir a cozinha para um espaço maior fora de casa, e uma estrutura adequada à demanda.


Mesmo sem o domínio da administração de empresas, Jailson respondia bem aos desafios do mundo empresarial. Abriu as portas da marmitaria aos agentes do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), tirou dúvidas e recebeu orientações com foco no caminho com menos riscos financeiros e sucesso empresarial.


“Eles deram muitas dicas. Lembro que na época a gente só tinha a cozinha. Depois decidimos colocar mesas para receber o público, ampliando nosso leque de serviços, já que havia uma demanda na região. Também fomos orientados a fazer cursos”, explica.


As orientações trouxeram fortalecimento e impulsionaram o negócio, que já tinha capacidade de atender além do bairro. Era o momento de dar um passo maior, colocar o cardápio em aplicativos de vendas, porém, havia um problema: a falta de CNPJ, exigido nas plataformas digitais. A formalização e o ingresso só foram realizados em 2023.


“Agora, se acontecer alguma coisa estou seguro pelo INSS, assim como também as pessoas que trabalham comigo. Outra vantagem de ter me tornado Microempreendedor Individual foi poder emitir nota fiscal, fazer compras no atacado e conseguir descontos, além das facilidades para pagamento. Tem uma loja de embalagens que me dá 10%”, justificou.A RODA DA ECONOMIA


Em Sergipe são mais de 76 mil empresas ativas com perfil de MEI, como a ‘Quentinha do Chef’, segundo o Sebrae. Jailson é um dos quase 15 milhões de microempreendedores individuais no Brasil e entre os 35.915 na capital sergipana (Fonte: Base de dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ).


De acordo com o Sebrae, no Brasil os pequenos negócios correspondem a 95% dos empreendimentos formais, representando 30% do Produto Interno Bruto (PIB), impactando direta e indiretamente em 47% dos brasileiros.


Na marmitaria do Bairro Santa Maria, o sucesso progressivo teve a participação de uma equipe empenhada, formada pelo chef Jaílson, a esposa dele (cozinheira), uma funcionária contratada como auxiliar de cozinha e outros três diaristas.


Há mais de um ano, Adriele Santos teve a carteira de trabalho assinada na função de auxiliar de cozinha. O serviço diário garante o sustento e bem-estar dela e da família.


“É bom demais ter meu salário fixo todo mês, ter como pagar minhas contas, fazer as compras do mês, pagar um plano de saúde melhor para o meu filho, ter uma estabilidade. Dessa forma vou conquistando uma vida melhor através do meu emprego”, comemora.

O motoboy Ícaro Thauan Batista Silva não tem uma vida fácil. Trabalha por horas sobre duas rodas para levar uma boa renda para casa. Morador da região do Bairro Santa Maria, ele começou a prestar serviço na marmitaria há seis meses, já com o registro de microempreendedor individual.


“Como motoboy não teria carteira assinada. Fiz a formalização há três anos, por uma questão de segurança financeira e proteção da Previdência Social”, explica.

Esta força de trabalho gira a engrenagem no comércio local. “Parte do dinheiro invisto em alimentação comprando no mercadinho, na loja de roupa, corto o meu cabelo, compro perfumes no bairro. Desde que entrei lá em Jaílson, o dinheiro soma demais nas despesas e no lazer”, disse Ícaro.

PLIAÇÃO

Independentemente do setor, manter a fidelidade dos clientes é um desafio diário. "Temos inúmeros clientes desde o início da cozinha. É um sinal que estamos no caminho certo. Sempre buscamos aprimorar, estudar, criar novas receitas, novos cardápios e estratégias de vendas", pontuou.


Para o mês de maio, Jaílson e a equipe já preparam algumas novidades. A empresa, que funciona apenas no período da manhã, deverá estender o horário transformando o período ocioso em mais ofertas de serviços.


“Vamos abrir uma soparia no período da noite. O intuito é crescer cada vez mais como empreendedor. Tem que ser como águia, ter sempre a visão e chegar mais longe. É a nossa fé, a nossa Esperança”, revelou animado. INFORMALIDADE



Montanha trabalha há 26 anos como artesão/Foto: Anderson Barbosa


No Brasil, cerca de 39 milhões de pessoas estão na informalidade, segundo dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). Desses, 26 milhões atuam por conta própria como o artesão André Luiz Tavares de Carvalho Medeiros, 40 anos, conhecido como Montanha. A lateral da Igreja São Salvador, no Centro de Aracaju, foi o espaço encontrado para expor as peças (anéis, brincos, colares...) feitas no vai e vem dos consumidores.  


Montanha também morou nas ruas, mas hoje, com o trabalho, consegue pagar as contas da casa alugada onde mora com a esposa e três filhos. Já são 26 anos trabalhando com o artesanato. "Já pensei em ser Microempreendedor Individual, mas o grande problema é que, no meu caso, só como se vender. E tem horas que a situação aperta”, conta.


Mas a preocupação de André é com o avançar da idade, com os problemas de saúde ou mesmo acidentes de trabalho. “Cheguei aos 40 anos eu estou pensando nisso. Tenho uma carteira de artesão, reconhecido nacionalmente, porém, a gente tem esse medo, né? Se adoecer também. Já peguei várias bactérias, por colocar as coisas no chão. Tive sarna e fiquei três meses para me curar. O orçamento familiar foi afetado”, justificou.


A saída mais indicada para André é mesmo a formalização. Dessa forma, terá todas as garantias para o futuro dele e da família. “Sair da informalidade é ganhar dignidade, conquistar o seu espaço no mercado de trabalho, no mundo do empreendedorismo e desenvolver o negócio”, pontua o economista Márcio Rocha.



UM PASSO DE DIGNIDADE


Até março deste ano, o Brasil possuía 14.419.015 empresas na Base de dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou 73,4 % das empresas formais no território nacional. O Estado de São Paulo liderava (4.127.608), seguido por Minas Gerais (1.587.243) e Rio de Janeiro (1.288.204). Sergipe apareceu na 22ª colocação com 76.498 empresas com este porte e na última colocação do Nordeste.


Diante deste cenário, o economista Márcio Rocha ressalta o significativo crescimento dos MEIs na última década, principalmente de pessoas com um perfil originalmente da informalidade, enxergando na formalização um mecanismo de conquista de benefícios e direitos.


“A oportunidade é para todos e a formalização dos meios dos microempreendedores individuais é muito importante para um crescimento e um desenvolvimento social e econômico, tanto em Sergipe, quanto no Brasil”, analisa Rocha.A FORMALIZAÇÃO


Cerca de 500 atividades estão na categoria de Microempreendedor Individual (MEI). Trabalho de autônomos, muitas vezes feito dentro de casa, com pouco recursos e equipamentos. São eles que movimentam a economia nacional e de muitas famílias.


“A formalização do MEI é importante para ter acesso aos serviços como emissão de notas fiscais, disputar licitações, ter acesso à linhas de crédito, financiamentos e insumos, além de comprar com preço diferenciado através desse CNPJ. Também é possível abrir conta corrente jurídica e, a partir daí, ter um cartão de crédito do mesmo seguimento. Sem falar na possibilidade de um financiamento. Ou seja, passa a ser reconhecido como empresa perante a Receita Federal, o Estado e Municípios”, assegura o gerente do escritório regional do Sebrae da Grande Aracaju, Aurélio Fernandes Viana.


A modalidade foi criada através da Lei nº. 123 de 2006, também conhecida como Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. Com uma contribuindo de apenas 5% do salário-mínimo, o empreendedor tem direto à aposentadoria por idade e por invalidez, auxílio-doença, salário maternidade, auxílio reclusão e pensão por morte. Uma empresa com essas características pode ter um faturamento anual de até R$ 81 mil e contratar até um funcionário.


“A formalização é feita exclusivamente no portal Empresa Gov. Basta entrar através do Gov.br (nível prata ou ouro), incluir a documentação, fazer o reconhecimento facial e a autenticação”, ensina Viana.


O Sebrae fornece orientações para o processo de formalização, de forma gratuita. Basta levar a documentação como: RG, CPF, dados de contato, tipo de ocupação, forma de atuação da empresa e endereço comercial.QUEM SE CAPACITA SAI NA FRENTE


Independentemente do ramo, buscar capacitação ajuda no desenvolvimento profissional e no crescimento da empresa, seja ela de pequeno ou grande porte. Em qualquer parte do Brasil é possível encontrar programas de instituições, como o Senac, ou estruturas governamentais ofertando gratuitamente formações e cursos em diversas áreas.


Em Aracaju, por exemplo, tem a Fundação Municipal de Formação para o Trabalho, bem em frente ao local onde André Luiz trabalha. A poucas quadras dali, o Núcleo de Apoio ao Trabalho (NAT), órgão do governo do Estado, ofertando diariamente capacitações e oportunidades de emprego.


No país inteiro, o Sebrae faz ações semelhantes. No ano passado, mais de 50 mil empresas foram acompanhadas no programa Brasil + Competitivo com orientações para melhorar o desempenho das atividades, entendendo as necessidades de cada uma delas. O resultado foi um aumento no faturamento de 16% e os melhores resultados ficaram com as empresas do ramo da Beleza (38%), Economia Criativa (29%) e Artesanato (26%). A instituição disponibiliza uma página na internet com informações e benefícios.


“Quem está formalizado como MEI, o SEBRAE oferece orientações técnicas sobre finanças, marketing, marketing digital, consultorias, cursos, palestras, oficinas. Existe uma programação específica com vários produtos para ele”, destaca o gerente do escritório regional do Sebrae da Grande Aracaju.

As Salas dos Empreendedores instaladas nos municípios aproximam o Sebrae de quem precisa de formalização. Elas ajudam na legalização dos negócios com a abertura de novas empresas, orientação e capacitação para Microempreendedores Individuais (MEI).


Uma delas fica no município de Boquim, Região Centro-Sul de Sergipe, onde existem 728 empresas com na categoria MEI. Na cidade, o agente de Desenvolvimento Rafael Fontes Evangelista tem feito essa ponte entre o empreendedor e o Sebrae. “A sala tem a função de auxiliar o empreendedor desde a abertura da empresa até um processo de consultoria e capacitação. Ele é muito importante para os pequenos e médios empreendedores locais”, afirma.


Durante o processo de formalização ou mesmo de capacitação, é comum que surjam dúvidas. E o agente de Desenvolvimento está munido de informação. “A maioria das dúvidas é sobre formalização, em relação à questão de parcelamentos, coisas voltadas à questão do MEI, como ampliar e crescer o negócio”, enumera Rafael Fontes.APOIO FINANCEIRO


Entre as instituições financeiras com programas voltados ao Microempreendedor Individual (MEI) está o Banco do Nordeste Brasileiro (BNB), fundado em 1952 com a missão de orientar, promover bem-estar, competitividade e oferta de crédito. A instituição está presente em 2 mil municípios, nos nove Estados da Região Nordeste, e também atende demandas nos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha em Minas Gerais. 


Na área de atuação, o BNB lidera o ranking das aplicações de recursos de longo prazo e crédito rural.


“O intuito é desenvolver e ajudar para que essa população, informal e até formal, venha a ter um desenvolvimento através do crédito e realmente venha a ter lucro. O ideal desse crédito é desenvolver as pessoas, as empresas e ajudar na economia da região aqui do Nordeste”, justifica o agente de microcrédito do BNB, em Aracaju e São Cristóvão, Ramon Silva Santana.

Entre os programas, está o CrediAmigo, que desde 1998 oferta microcrédito - considerado o maior do setor na América do Sul - e o programa de Financiamento às Microempresas, Empresas de Pequeno Porte e ao Empreendedor Individual. Através do programa, o BNB consegue financiar aquisição de imóveis, reformas, gastos com construção, aquisição de veículos, compra de máquinas, equipamentos, entre outros. No site www.bnb.gov.br/fne-mpe dá para fazer as simulações e saber se a empresa está enquadrada em alguma linha.


Entre as formas usadas para se chegar a pessoas como Jailson da marmitaria, o banco disponibiliza as agências do banco e agentes de microcrédito. “O agente de microcrédito faz propagandas, promoções e vai captando clientes que tenham atividades, clientes que querem ter acesso ao crédito. A gente apresenta o processo metodológico e orienta até a liberação do crédito, fazendo visitas, dando ideias para o desenvolvimento e orientando para que o crédito realmente seja investido na atividade. Só assim terá o lucro”, explica Santana.




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