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'A solidão é muito triste. Não sou feliz, não’, diz garçom que vive nas ruas de Aracaju

Atualizado: 15 de mai.

Pela coleta e venda de material reciclável que tira do lixo, ele consegue cerca de R$ 15 por dia.


Por Anderson Barbosa.

Antes mesmo do sol raiar no horizonte, Everton Luiz Alves já está nas ruas trabalhando. E nem dá tempo de apreciar o alvorecer no Largo da Gente Sergipana, Centro de Aracaju. O colorido no céu mais parece uma pintura, um presente divino após dias de chuvas intensas na capital de Sergipe. Um cenário dispensado por quem precisa tirar a vantagem do caminhão de coleta de lixo, bem mais ágil no percurso de 10km até os Arcos da Orla da Atalaia.


No meio da estrada, tem quem aprecie a paisagem natural, quem também corra num foco diferente do de Everton, que já acorda concentrado na luta pela sobrevivência. “Quatro horas da manhã eu já saio pra pagar os lixos antes que os garis retirem. Daí eu tenho que passar em todas as praças, né? Praça do Cirurgia, Praça do IML, Praça Fausto Cardoso, Mercado Municipal até chegar na praia. Pra poder juntar no final do dia dois saquinhos cheios daí”, explica.

Nem mesmo a certeza do dia intenso, cansativo é capaz de arrancar o sorriso no rosto daquele homem de 44 anos. Depois de horas nesta corrida, tem entre R$ 12 e R$ 15 com a venda das garrafas Pet e outros materiais recicláveis, produtos mais baratos que as latinhas de alumínio. Estas cada vez mais disputadas entre os moradores em situação de rua.


Normalmente, o café da manhã é conquistado entre as latas de lixo espalhadas nas calçadas da orla do Rio Sergipe à Praia da Atalaia. Realidade contrastada com o sorriso evidenciado no olhar e no falar. A vida nas ruas não tem beleza, como o céu do raiar do dia.


“É sofrida, é chuva, é coisa do lixo para comer. Às vezes, você não consegue. É sol, chuva. É muita coisa ruim, mas, se Deus quiser, ainda vou conseguir vencer ainda”, conta mais uma vez com o sorriso no rosto e no olhar.

Quem o observa trabalhando nem imagina os dilemas enfrentados há cerca de dois anos, desde a decisão de morar nas ruas. Foi a única opção!  Everton tem a consciência da experiência, uma das mais dolorosas para quem já teve um lar, uma vida estabilizada.


Quando cai à noite, no silêncio da cidade, vem o mais alto grau da invisibilidade. “A solidão é muito triste. Sozinho, converso com os pombos, converso com o cachorro, converso sozinhos sabe?! Porque eu ando sempre sozinho, não ando com ninguém. E... Não é bom, não. Não sou feliz, não”, revela.


Antes de viver nestas condições, Everton foi garçom e auxiliar de cozinha em um conhecido restaurante da capital. O trabalho perdeu para o vício do álcool. Sem renda, faltou dinheiro para pagar as contas e o aluguel da casa. Sobrou a calçada da agência do Banco do Estado de Sergipe na Avenida Barão de Maruim, atual endereço no Centro de Aracaju.


“Tenho família em Simão Dias (interior de Sergipe), mas tanta vergonha que eu fiz eles passarem, desisti. Hoje, moro na frente do banco. É ali atrás”, aponta.

O sorriso também esconde o desejo de voltar ao mercado de trabalho, ter uma renda fixa, reconquistar a cidadania. “É um sonho, né? É um sonho, porque a vida na rua não é fácil, né? Com fé em Deus vou conseguir”, diz esperançoso.


Os três minutos de conversa custaram caro para Everton e só não foi pior, porque o café da manhã de hoje teve pão com cocada direto da padaria e não da lata do lixo, como de costume. Mas agora precisa correr: a ameaça já está por perto, tem ronco de motor e um batalhão de garis apressados para deixar a cidade limpa outra vez.



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